sábado, 30 de outubro de 2010

Vinte Minutos

No relógio velho da sala vazia, onze horas, no peito de quem ia embora: noite escura. Na janela, gotas de chuva escorriam assim como as lágrimas pelo rosto sofrido e amargurado que continuava andando sem olhar para trás. E o que ficava às suas costas não eram apenas os corredores, eram também as lembranças de um passado que se vivia junto.

Valentina não queria mais ficar naquele lugar, não sem ele. Sozinha era muito triste, pois cada pedacinho do apartamento cheirava como ele. Aquele cheiro, que só ele tinha, estava penetrando as narinas dela como um gás tóxico que a asfixiava. Não, ela não iria sobreviver sentindo o cheiro de quem não estava mais lá.

Os corredores pareciam mais longos e as malas cada vez mais pesadas. Os pés seguiam em frente, os braços, mesmo cansados, continuavam carregando todas as lembranças. Valentina parou. Não queria mais nada que a fizesse lembrar-se do passado. Como usaria novamente o vestido que ganhou dele, ou a blusa que vestiu no seu aniversário quando ele lhe deu um colar. Não usaria mais aquele colar, nem a blusa e nem o vestido.

As malas foram arremessadas, e Valentina continuou andando. Mas começou a sentir falta de um pedaço seu. Ela não queria voltar, queria se livrar de tudo, e esquecer-se dele. Nascer novamente era isso que ela queria. Porém era tão difícil morrer para aquela vida que a machucara tanto. Como matar a antiga Valentina e suas lembranças? Como?

Valentina seguia fazendo-se a mesma pergunta, e começava a desesperar-se, pois não sabia o que fazer. E seu peito começava a doer, como se seu coração tivesse sido arrancado com brutalidade. Mesmo assim, não se atreveu a olhar para trás.

Os passos começavam a ficar lentos, os olhos de tanto chorar já estavam secos, mas os corredores não acabavam. Talvez Valentina mal tenha saído do lugar, mas para ela o caminho era longo e interminável. Porém, ela queria que acabasse, pois não agüentava mais.

Enquanto andava, Valentina se desfazia de tudo, queria ser outra. A porta da rua foi avistada, seu coração deu um salto, o pé estava quase se libertando do passado, mas Valentina notou que estava completamente nua. Não poderia sair assim, sem roupas, sem dinheiro, sem qualquer coisa. Não sabia nem para onde iria. O que seria sua vida? Um vazio qualquer, que de tão vazio se tornasse sem vida?

Todos os objetos foram sendo recolhidos, a casa foi arrumada, as roupas foram vestidas. Valentina notou que o ponteiro do relógio se movia. Eram 11:20. Vinte minutos, ela nunca imaginaria, acreditava ter vivido um dia inteiro. Mas o tempo não deixa de passar, rapidamente ou devagar. Então, sem borrachas ou ilusões, Valentina seguiu o seu próprio tempo de viver.